A Ucrânia passou o domingo, 9 de novembro, tentando religar eletricidade e aquecimento depois de uma nova série de ataques russos contra a infraestrutura de energia, descrita por Kiev como uma das noites mais difíceis desde o início da invasão em 2022. Segundo o Ministério da Energia, o ataque russo contou com mísseis e drones atingiram diretamente um número de instalações sem precedentes, derrubando linhas de transmissão, subestações e usinas térmicas em várias regiões. A ministra Svitlana Grintchouk afirmou que as equipes conseguiram estabilizar parcialmente o sistema, mas que o país precisa manter cortes controlados para evitar um colapso maior da rede.
De acordo com a Força Aérea ucraniana, a Rússia lançou 45 mísseis e 458 drones durante a noite de sexta para sábado, em diferentes ondas, contra alvos em todo o território. A defesa aérea disse ter neutralizado 406 drones e 9 mísseis, mas reconheceu que 26 mísseis e 52 drones atingiram cerca de 25 localidades, apesar da interceptação em massa. As principais áreas visadas incluíram Kiev, Dnipro, Kharkiv, Poltava e Chernihiv, onde os impactos provocaram incêndios e destruição em bairros residenciais e áreas industriais. Autoridades falaram em pelo menos quatro mortos e dezenas de feridos em Dnipro e Kharkiv, números que podem subir conforme as buscas avançam.
O alvo central da ofensiva foi novamente o sistema de geração térmica. A estatal Centerenergo informou que todas as suas usinas térmicas pararam de operar após o ataque, o que levou a companhia a falar em geração reduzida a zero e em perda de parte da capacidade que havia sido reconstruída depois dos bombardeios de 2024. Empresas privadas como a DTEK também relataram danos graves, somando mais de duzentos ataques a seus ativos desde o começo da guerra, e enviaram equipes de emergência para tentar recuperar transformadores, caldeiras e linhas de transmissão atingidas. Especialistas ouvidos pela imprensa local classificam o episódio como o golpe mais forte contra a matriz térmica ucraniana em toda a guerra.

A operadora de rede Ukrenergo respondeu com cortes emergenciais em larga escala e com novos esquemas de racionamento, que preveem interrupções de oito a dezesseis horas por dia na maioria das regiões enquanto durarem os reparos e a instalação de fontes alternativas. Cidades como Kiev, Kremenchuk, Dnipro e Kharkiv passaram a depender de geradores para manter serviços básicos de água e comunicações, e alguns bairros ficaram simultaneamente sem luz, aquecimento e abastecimento. As autoridades publicaram cronogramas de desligamentos programados, mas alertaram que eles podem mudar a qualquer momento se novos ataques ocorrerem ou se a carga ficar instável. A orientação oficial é reduzir o consumo ao mínimo e priorizar hospitais, escolas e sistemas de aquecimento urbano.
Além de atingir usinas térmicas e instalações de gás, a Rússia voltou a bombardear subestações que alimentam as usinas nucleares de Khmelnytskyi e Rivne, no oeste da Ucrânia. O ministro das Relações Exteriores, Andrii Sybiha, afirmou que não se trata de danos colaterais, mas de ataques planejados, e acusou Moscou de colocar em risco a segurança nuclear europeia. Kiev pediu uma reunião de emergência do Conselho de Governadores da Agência Internacional de Energia Atômica para discutir o tema, num momento em que o país já convive com a ocupação russa da usina de Zaporizhzhia e com sucessivos alertas de risco emitidos por organismos internacionais. A diplomacia ucraniana tenta envolver países como China e Índia na pressão por limites a esse tipo de alvo.
Um inverno mais difícil à frente
A sucessão de ataques desde o início de outubro já havia degradado significativamente a capacidade de geração ucraniana, e analistas calculam que parte relevante da demanda de eletricidade poderá ficar descoberta durante o inverno, mesmo com importações e economia de energia. Relatórios internacionais apontam que, em cenários de pressão prolongada sobre a rede, o país pode não conseguir atender uma fração importante do consumo em horários de pico, sobretudo se as temperaturas caírem abaixo de zero por longos períodos. Organismos como a Agência Internacional de Energia e centros de análise humanitária vêm alertando desde 2024 que a combinação de danos acumulados, atrasos em reparos e novos bombardeios tende a resultar em apagões mais longos e frequentes.
O diretor do Centro Ucraniano de Pesquisa em Energia, Oleksandr Khartchenko, advertiu recentemente que o país enfrenta um risco significativo de falhas no aquecimento neste inverno, sobretudo em grandes cidades que dependem de poucas usinas de calor e eletricidade. Em Kiev, ele descreveu como cenário extremo a possibilidade de “desastre tecnológico” se as principais centrais de aquecimento ficarem dias desligadas sob frio intenso, situação que afetaria não apenas o conforto, mas o funcionamento de hospitais, creches e abrigos. Um estudo citado pela imprensa europeia, elaborado pela Escola de Economia de Kiev, estima que uma parcela relevante da demanda de eletricidade não poderá ser atendida nesta temporada, o que reforça a necessidade de planos de contingência e de apoio externo contínuo.
Enquanto isso, técnicos ucranianos trabalham em regime de plantão para restabelecer linhas, substituir equipamentos e instalar unidades móveis de geração e aquecimento onde for possível, muitas vezes sob risco de novos ataques. O governo intensificou campanhas de economia de energia e pede que empresas e famílias priorizem iluminação e aquecimento essenciais, adiando consumo industrial não urgente para horários fora de pico. Parceiros ocidentais têm enviado transformadores, geradores e componentes de rede, além de promessas de reforço da defesa aérea, mas autoridades em Kiev afirmam que a proteção ainda é insuficiente diante do volume de mísseis balísticos e drones utilizados pela Rússia nestes ataques combinados. A idade avançada de parte da infraestrutura elétrica, construída em época soviética, aumenta a fragilidade do sistema.
O que diz a Rússia?
Moscou sustenta que mira o complexo militar-industrial ucraniano e instalações de gás e energia que dariam suporte às operações de Kiev, argumento repetido pelo Ministério da Defesa russo a cada nova ofensiva. Em resposta, a Ucrânia ampliou desde o meio do ano sua própria campanha de drones e mísseis contra depósitos e refinarias de petróleo em território russo, como a planta da Lukoil em Volgogrado e outras instalações no sul e no centro do país, com o objetivo declarado de reduzir a capacidade de refino e de pressionar o financiamento do esforço de guerra de Moscou. Essas ações já levaram a interrupções parciais em unidades russas e a medidas emergenciais no mercado de combustíveis, enquanto governos europeus tentam equilibrar sanções, segurança energética e apoio militar a Kiev.
Nas próximas semanas, a vida cotidiana na Ucrânia tende a girar em torno de cronogramas de apagões, da oferta irregular de aquecimento distrital e da capacidade de cada cidade de organizar abrigos aquecidos e pontos de carregamento de equipamentos. Autoridades locais orientam famílias a montar kits básicos com água potável, lanternas, baterias, rádios e roupas térmicas, e a acompanhar apenas canais oficiais para planejar deslocamentos e horários de trabalho ou estudo. O balanço desse inverno dependerá do ritmo dos reparos, da intensidade dos próximos ataques e da velocidade com que novos sistemas de defesa aérea e equipamentos de rede cheguem ao país. O impacto ultrapassa as fronteiras ucranianas, já que a segurança nuclear e a estabilidade do mercado energético europeu estão diretamente ligadas ao que acontece hoje na rede elétrica de Kiev.



