Em busca de uma sociedade consciente

“Coisa de rico” mira os códigos da elite e vira peça do debate sobre desigualdade

Michel Alcoforado propõe um retrato de costumes que ajuda a explicar como a elite brasileira organiza o próprio mundo. O livro acompanha ambientes de sociabilidade, hábitos de consumo e códigos de distinção que funcionam como senha de acesso. A tese central é direta: riqueza, no Brasil, opera menos como número absoluto e mais como pertencimento validado por pares. A narrativa alterna cenas observadas e interpretações concisas, o que aproxima leitor e objeto sem perder o foco analítico.

O ponto de partida é a recusa em dizer “eu sou rico”. Esse deslizamento semântico, repetido em clubes, escolas e viagens, sustenta a zona cinzenta onde privilégios circulam sem se apresentarem como tais. Quando alguém acumula capital econômico, precisa converter parte disso em sinais reconhecíveis: sotaques, endereços, currículos, roteiros. O livro mostra que o jogo da distinção não depende apenas do preço, mas da decodificação correta do que “conta” em cada círculo.

Ao tratar dos “novos” e dos “tradicionais”, o autor identifica tensões previsíveis. Uns preferem marcas visíveis e ganho rápido de reconhecimento, outros valorizam discrição e redes antigas. No entanto, ambos convergem em estratégias de proteção do grupo, como escolas específicas, clubes restritos e a reprodução de repertórios culturais. O texto evita demonizações, descrevendo mecanismos que, aos olhos do leitor, revelam como fronteiras sociais se mantêm.

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Coisa de rico – todavia [divulgação]

O fio antropológico aparece na atenção às rotinas. Escolhas aparentemente banais, o destino das férias, o projeto do apartamento, o cardápio, o vocabulário, formam um léxico que organiza alianças e oportunidades. Nesse ponto, o livro é mais sobre sociologia da vida cotidiana do que sobre números de patrimônio. A força está na capacidade de transformar gestos em pistas para entender hierarquias.

Outras vertentes

Há, também, uma dimensão histórica. O livro conecta heranças familiares e concessões estatais a padrões que atravessam gerações. O passado não é pano de fundo, é engrenagem. Quando o autor descreve a naturalização de vantagens de quem aprende cedo a “estar no lugar certo, com as pessoas certas”, a leitura evidencia como a meritocracia, tal como enunciada nos salões, tende a ignorar pontos de partida desiguais.

O texto interessa ao leitor de cultura, mas dialoga com quem observa economia real. Mercados de educação, luxo, serviços financeiros e turismo aparecem como ecossistemas de pertencimento. Custa caro entrar, custa caro permanecer, e a moeda não é apenas dinheiro. Repertório e relações têm peso semelhante. Essa perspectiva ajuda a entender por que políticas públicas focadas apenas em renda não alteram, por si, barreiras simbólicas.

Metodologicamente, a opção por cenas curtas e nomes omitidos cria fluidez. Em troca, o autor exige do leitor uma leitura de conjunto: o argumento não está numa estatística, e sim na recorrência de padrões observados ao longo de anos de pesquisa e circulação nesses ambientes. O resultado é um mosaico. As peças, somadas, compõem um mapa inteligível do que, usualmente, é tratado como anedota.

O livro não oferece solução prontinha. Ainda assim, ao descrever como funcionam as portas invisíveis, aponta caminhos de investigação: regulação de espaços semipúblicos, transparência em filantropia de prestígio, critérios de acesso em escolas e clubes, e o papel dos intermediários que transformam capital econômico em capital social. Para leitores que atuam em comunicação, varejo e políticas de equidade, há insumos práticos.

Em síntese, “Coisa de rico” é um estudo de hábitos e fronteiras. Lido com calma, esclarece como a elite se reconhece, como protege sua posição e como produz linguagem para justificar vantagens. Não é um panfleto, é um espelho incômodo. Por isso mesmo, vale a leitura

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