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PCC NA FARIA LIMA: Rigor sem sangue na Faria Lima expõe o contraste da letalidade nas periferias

A megaoperação que alcançou endereços na Avenida Faria Lima expôs, com rara nitidez, a face financeira do crime organizado. Mandados foram cumpridos em escritórios de investimentos, fintechs e empresas ligadas à cadeia de combustíveis, em ação coordenada por forças estaduais e federais. O objetivo declarado foi rastrear bilhões supostamente lavados por redes associadas ao PCC, com bloqueios e apreensões de grande porte. Até o momento, não há relatos de feridos ou mortos.

Essa megaoperação realça o contraste da realidade das operações dentro das favelas. Nas periferias, a presença do Estado tende a vir acompanhada de letalidade, casas reviradas e rotas escolares interrompidas. Na Faria Lima, coração do capital financeiro, a polícia bateu à porta, recolheu documentos, clonou HDs e saiu sem disparar um tiro. É o mesmo braço estatal, mas com resultados humanos radicalmente distintos.

Se as autoridades dizem saber onde se articulam os cérebros financeiros, por que a violência letal se concentra apenas nas áreas urbanas? Por que o Estado mata tanto na favela e não encosta o dedo no gatilho quando entra em edifícios de luxo? A resposta não está apenas na estratégia, mas na cor da pele e no CEP de quem é considerado “alvo legítimo”.

Divone Ferreira chora a morte da filha, Gabrielle Ferreira da Cunha, alvejada durante operação policial

A carne mais barata do mercado é a carne negra

A geografia da repressão tem cor e classe. Nas favelas, a maioria das vítimas tem pele preta, é pobre e vive em territórios abandonados pelo poder público. Jovens são executados sob suspeita e há operações com saldo de dezenas de mortos, como se a lei deixasse de valer para certos corpos. Não é apenas ausência de prova: é ausência de valor atribuído à vida dessas pessoas.

Diferentemente, na Faria Lima os números sugerem uma engrenagem muito acima da “boca de fumo”. Fala-se em milhares de postos, importações de derivados, sonegação bilionária, fintechs atuando como bancos paralelos e fundos com dezenas de bilhões sob gestão. Esse é o território da planilha, da auditoria e do balanço — e também onde decisões discretas deslocam fortunas e corroem políticas públicas. Quando o crime veste terno, o impacto social se mede em hospitais sem insumos, escolas sucateadas e transporte precário.

A polícia sabe agir com inteligência, discrição e sem disparar armas de grosso calibre. A operação na Faria Lima prova que existe capacidade técnica. O que não existe é vontade política de aplicar esse mesmo padrão nas comunidades pobres, onde a ação do Estado continua sendo a face da morte.

PF, Receita e MPSP

O mérito da ação recente não apaga a assimetria histórica. A periferia foi tratada por décadas como campo de batalha, com operações que terminam em luto e versões oficiais em que a prova raramente chega ao tribunal. Já o andar de cima sempre contou com o amortecedor do litígio sofisticado e do tempo processual. Se o Estado consegue agir com rigor e sem sangue na Faria Lima, pode, e deve, adotar o mesmo padrão humano e técnico nas favelas.

Não se trata de inverter a violência, mas de estancar o racismo estrutural que define quem é suspeito, quem pode morrer sem julgamento e quem será poupado por “falta de provas”. Enquanto os grandes nomes são blindados com notas técnicas e gabinetes jurídicos, mães negras seguem enterrando seus filhos sem direito à verdade ou à justiça.

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