O brasileiro entrou na reta final de setembro com um velho conhecido retomando protagonismo no orçamento doméstico, a conta de luz. A prévia da inflação mostrou aceleração em relação a agosto, puxada principalmente pela energia elétrica residencial, enquanto o anúncio da Aneel para outubro indica que a bandeira tarifária seguirá cobrando adicional, embora em patamar menos severo do que o observado nos dois meses anteriores. Em paralelo, o Banco Central manteve a taxa básica de juros em nível elevado e sinalizou que a política monetária seguirá firme para conter pressões difusas, o que adiciona camadas de prudência às decisões de consumo e investimento de famílias e empresas.
Depois de um alívio pontual em agosto, a inflação medida pelo IPCA-15 acelerou em setembro e trouxe a energia elétrica como principal vetor de alta. O movimento tem efeito multiplicador, porque atravessa a estrutura de custos de itens de moradia e serviços e altera a percepção de renda disponível, sobretudo entre os lares de menor poder aquisitivo. Quando um item administrado avança mais que a média, abre-se um descompasso entre reajustes salariais e o encarecimento das despesas fixas, o que pressiona negociações trabalhistas e encurta a margem para gastos discricionários nas próximas semanas.
No mesmo compasso, a agência reguladora definiu que outubro terá bandeira vermelha patamar 1. A decisão representa um alívio relativo, já que em agosto e setembro vigorou o patamar 2, mais caro, mas ainda significa cobrança extra a cada 100 quilowatts-hora consumidos. Para o consumidor, essa combinação implica atenção redobrada ao uso e, quando possível, à renegociação de contratos e tarifas. Para o comércio e a indústria, reflete-se na formação de preços e na gestão de capital de giro, afetando desde pequenas padarias até grandes redes varejistas com alto consumo energético em refrigeração, climatização e logística.
De quem é a culpa?
Do lado da política monetária, o Copom manteve a Selic no nível atual e descreveu a conjuntura como uma “nova etapa” de estabilização, preferindo observar por mais tempo a dinâmica inflacionária antes de avaliar qualquer flexibilização. A mensagem é que, apesar de sinais de melhora em alguns componentes, as expectativas ainda pedem cautela e a inércia de itens sensíveis permanece exigindo juros restritivos. A sinalização tem efeitos práticos na tomada de crédito, encarece o financiamento de estoques e adia planos de expansão, sobretudo em segmentos que dependem de prazos mais longos e custos previsíveis, como construção civil e bens duráveis.
Para as famílias, a tradução concreta dessa maré de forças é simples, embora incômoda, reordenar prioridades e alongar decisões. O encarecimento da energia, ainda que menor do que o observado nas últimas leituras, corrói rapidamente o orçamento quando somado a serviços reajustados por indexadores passados. Por isso, multiplicam-se estratégias de economia doméstica, de troca de eletrodomésticos ineficientes a ajustes de horários de uso, passando por análise minuciosa de faturas para identificar faixas e tarifas mais vantajosas. Em muitos municípios, programas de eficiência energética e renegociação de débitos voltam ao radar como instrumentos de mitigação.
As empresas, por sua vez, navegam entre três frentes. Na primeira, revisam orçamentos de energia e tentam travar custos com contratos e fontes alternativas quando a regulação permite. Na segunda, ajustam o mix de produtos e serviços para preservar margens sem perder clientes em um ambiente competitivo. Na terceira, calibram a política de preços com parcimônia, conscientes de que repasses integrais em curto prazo podem derrubar volumes. Essa gestão de microdecisões se torna determinante para o desempenho do quarto trimestre, tradicionalmente mais forte no varejo e nos serviços ligados à mobilidade e ao turismo.
No campo fiscal, tarifas pressionadas têm efeito colateral sobre programas que subsidiam consumidores de baixa renda, exigindo coordenação fina entre a Aneel, o Ministério de Minas e Energia e o Tesouro Nacional. Quanto mais previsíveis forem as regras e os critérios de acionamento de bandeiras, menor o risco de volatilidade nos orçamentos familiares e empresariais. A transparência nos comunicados e a comunicação tempestiva sobre mudanças ajudam a reduzir ruídos, permitem planejamento e diminuem a probabilidade de repasses abruptos ou de decisões defensivas que travem a atividade.
Há, contudo, pontos de respiro possíveis se o regime de chuvas e a oferta energética colaborarem nos próximos meses. Uma normalização gradativa do custo de geração, combinada ao arrefecimento de pressões em grupos específicos do índice de preços, pode recolocar a inflação em trajetória mais benigna na virada do ano. Nesse cenário, o debate sobre o ritmo de eventual flexibilização monetária volta à mesa com mais clareza, e os agentes econômicos reavaliam prazos e investimentos. Sem essa melhora, a economia atravessa o fim de ano em um equilíbrio delicado, moderando expectativas e preferindo liquidez a risco.
O que fazer?
No curto prazo, a bússola é pragmática. Para o consumidor, vale comparar tarifas, buscar programas de eficiência, adiar gastos não urgentes e priorizar dívidas caras. Para o empresário, a agenda inclui gestão ativa de custos, revisão de contratos, cuidado com estoques e atenção à demanda efetiva, não apenas às projeções. Para o gestor público, a tarefa é coordenar o mosaico regulatório e fiscal, garantindo previsibilidade sem perder de vista a proteção aos mais vulneráveis. Esse conjunto de pequenas decisões diárias, somado, tende a determinar se a economia chegará a dezembro sustentando o passo ou perdendo fôlego.
Se os choques de energia recuarem e a inflação corrente ceder, o país encerra o ano com ambiente menos tenso para consumo e crédito, abrindo espaço para um início de 2026 mais organizado. Se persistirem pressões difusas e juros elevados por mais tempo, a travessia exigirá disciplina redobrada e comunicação clara das autoridades, porque o que está em jogo é a capacidade de preservar renda real, proteger a base produtiva e evitar uma desaceleração desnecessária justamente quando o calendário pede confiança.