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Seul chama de irrealista aporte de US$ 350 bilhões por alívio tarifário e busca saída negociada com Washington

A Coreia do Sul colocou freio nas expectativas de um acerto rápido com os Estados Unidos ao classificar como “irrealista” a ideia de um aporte imediato de US$ 350 bilhões em troca de redução de tarifas de 25% para 15%. A avaliação, feita pelo conselheiro de Segurança Nacional Wi Sung-lac, recoloca a discussão nos termos de sustentabilidade fiscal, governança do uso dos recursos e previsibilidade macroeconômica. Para Seul, aceitar um desembolso dessa dimensão sem salvaguardas poderia tensionar as contas externas, pressionar o câmbio e reproduzir fragilidades que o país conhece bem desde a crise de 1997. O argumento central é simples, mas contundente, qualquer solução precisa caber no balanço de pagamentos e nos limites prudenciais do Tesouro, sob risco de converter um acordo comercial em gatilho de instabilidade.

No pano de fundo, está o uso de tarifas como alavanca de negociação industrial e tecnológica. Ao atrelar a redução de alíquotas a um pacote financeiro de escala inédita, Washington sinaliza que pretende condicionar o acesso ao mercado a compromissos de investimento de longo prazo dentro do seu território. Seul, por sua vez, tenta modular esse pedido em instrumentos menos disruptivos, como garantias, linhas de crédito, participação acionária escalonada e cooperação regulatória. Essa engenharia financeira dilui impacto sobre reservas, distribui risco ao tempo e preserva margem de manobra para políticas domésticas de inovação, sem romper com a parceria estratégica que sustenta cadeias de semicondutores, baterias e automóveis.

President Donald Trump, right, meets with South Korean President Lee Jae Myung in the Oval Office of the White House, Aug. 25, 2025, in Washington.

A leitura política do momento indica margem estreita para concessões unilaterais. O governo do presidente Lee Jae Myung precisa mostrar à opinião pública que protege empregos e competitividade sem submeter as finanças nacionais a exigências consideradas desproporcionais. Ao mesmo tempo, reconhece que a relação com os Estados Unidos envolve temas sensíveis como interoperabilidade militar, padrões tecnológicos e coordenação em fóruns regionais no Indo-Pacífico. Esse tabuleiro cria um jogo de soma não nula entre comércio e segurança, em que a calibragem de cada passo tem consequências econômicas e diplomáticas mensuráveis.

Do ponto de vista empresarial, o impasse já entra nas planilhas. Fabricantes de chips, montadoras e empresas de baterias avaliam cenários de tarifa efetiva, custo de capital e relocalização de etapas produtivas. Um alívio tarifário negociado com contrapartidas factíveis tenderia a reduzir a incerteza regulatória e destravar projetos de expansão, inclusive no eixo Estados Unidos-México, hoje visto como rota de mitigação de riscos geopolíticos. O inverso, a manutenção prolongada de tarifas altas sem horizonte de convergência, encarece componentes, erode margens e acelera revisões de cadeia de suprimentos com efeitos na precificação ao consumidor final.

Nas últimas horas, Seul informou ter chegado a um entendimento com Washington sobre um arranjo de câmbio, embora sem detalhes públicos. A sinalização indica tentativa de construir amortecedores financeiros que reduzam a volatilidade durante a negociação tarifária, ainda que autoridades tenham negado vínculo direto entre o eventual swap e o pacote de tarifas. Em essência, o recado é que qualquer compromisso de investimento precisar vir acompanhado de instrumentos que protejam liquidez em dólares e resguardem a estabilidade do won, sobretudo em um ambiente global de fluxos sensíveis a juros e a choques geopolíticos.

A discussão técnica sobre “capacidade de pagar” evolui, assim, para “qual é a melhor forma de pagar, se for o caso”. Estruturas via consórcios, participação minoritária em projetos de infraestrutura e crédito com garantias reais aparecem como caminhos para diluir desembolsos e atrelar performance. Esses mecanismos são conhecidos em projetos de energia e data centers, onde contratos de longo prazo permitem contabilização mais precisa do risco. O que está em jogo não é apenas o valor do cheque, mas o desenho de um compromisso que não comprometa o rating soberano nem engesse políticas públicas por uma década.

Presidente dos EUA, Donald Trump • Leon Neal/Pool via REUTERS

No plano regional, o episódio reverbera. Parceiros asiáticos acompanham a negociação como um teste de estresse para a política comercial americana na fase pós-desglobalização. Se a mensagem for que só entram no jogo quem aceita aportes bilionários em condições rígidas, cresce o incentivo para diversificação de mercados e para arranjos intra-asiáticos que reduzam a dependência de uma única praça. Se, ao contrário, prevalecer um acordo tecnicamente sólido, com salvaguardas e fases bem definidas, a leitura será de que o reequilíbrio das cadeias pode ser feito com previsibilidade e ganhos mútuos.

Para o curto prazo, a expectativa recai sobre encontros à margem de cúpulas multilaterais, quando ministros e técnicos costuram rascunhos antes de anúncios políticos. A tese de um acerto “por módulos” ganha força, começando por medidas administrativas e cooperação setorial, enquanto o tema tarifário de maior impacto fica condicionado a metas claras de investimento e emprego. Esse método reduz ruído, cria entregas intermediárias e permite a ambos os lados prestarem contas internamente sem o custo de decisões de tudo ou nada.

Se a negociação produzir um pacote escalonado, com âncoras cambiais e governança crível, a relação bilateral tende a sair mais previsível e a atrair capital para projetos industriais em territórios dos dois países. Se prevalecer a exigência de um mega-aporte à vista e controle unilateral dos recursos, aumenta a probabilidade de prolongamento das tarifas, contenciosos e reconfiguração de cadeias em direção a terceiros. No centro dessa escolha está a constatação de que, no comércio contemporâneo, estabilidade é um ativo tão valioso quanto alíquota.

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