A chinesa BYD voltou a vender mais do que a Tesla na União Europeia em agosto, pelo segundo mês consecutivo, fortalecendo a disputa pelo topo do mercado de veículos elétricos no continente. Dados recentes mostram que as emplacações totais na UE cresceram 5,3%, com forte impulso de híbridos plug-in e elétricos a bateria, que já representam 62,2% das novas matrículas. Nesse cenário, a BYD triplicou suas vendas em relação ao mesmo período do ano anterior e alcançou 1,3% do mercado, enquanto a Tesla recuou 36,6%, ficando com 1,2%. A Stellantis também interrompeu mais de um ano de queda, registrando alta de 2,2% no mesmo período.
O avanço da BYD na Europa é resultado de uma combinação de estratégia industrial e contexto regulatório. Diante de tarifas impostas pela União Europeia aos veículos 100% elétricos fabricados na China, a empresa chinesa intensificou a oferta de modelos híbridos plug-in, mais acessíveis e lucrativos, o que permitiu tanto atender às metas de emissões quanto conquistar consumidores ainda reticentes com os elétricos puros. O movimento resultou em um crescimento anual de 121% para marcas chinesas no continente e uma participação agregada que já supera nomes tradicionais como Renault e Audi.
Em paralelo ao crescimento europeu, a BYD acelera sua implantação industrial fora da China, como forma de reduzir a dependência de exportações diretas e proteger sua cadeia de valor contra tarifas e oscilações cambiais. Na América Latina, o Brasil ocupa papel central nessa estratégia, com a instalação de um complexo industrial em Camaçari, na Bahia, no antigo terreno da Ford. O investimento total previsto é de R$ 5,5 bilhões, com expectativa de alcançar uma capacidade de até 150 mil veículos por ano quando todas as etapas estiverem concluídas. A operação já iniciou a montagem a partir de kits e projeta rampas de produção até 2026, com previsão de gerar cerca de 20 mil empregos diretos e indiretos.
A meta da BYD no Brasil é clara: nacionalizar componentes, reduzir custos logísticos e acelerar entregas tanto para o mercado interno quanto para os países do entorno. A montadora já indicou a meta de 50 mil unidades montadas na fase inicial e consolidou o Brasil como seu maior mercado fora da China. Enquanto isso, governos estadual e federal atuam para garantir que o investimento resulte em encadeamentos produtivos relevantes, como baterias, autopeças e logística integrada, posicionando o país como possível polo regional da eletromobilidade.
A disputa entre BEVs e PHEVs também reflete uma transição mais ampla na indústria automotiva global. À medida que os reguladores europeus apertam metas de carbono e pressionam por maior conteúdo local, as montadoras precisam equilibrar custo, margem e cronograma de transição. A BYD, ao crescer com híbridos e iniciar produção local, antecipa esse reposicionamento e ganha tempo para consolidar portfólio, imagem e escala. No Brasil, o ritmo de crescimento da empresa e a efetividade da fábrica de Camaçari terão peso direto sobre o futuro da cadeia de elétricos na região.
Se Bruxelas mantiver o cerco tarifário e as montadoras seguirem apostando nos híbridos como solução transitória, a BYD tende a ampliar espaço na Europa e na América Latina enquanto instala fábricas e dilui custos. Mas se os reguladores endurecerem regras de origem e as marcas europeias acelerarem a eletrificação com produção local em escala, o pêndulo pode voltar. Esse será o verdadeiro teste de consequências para uma indústria que, cada vez menos, se define nas vitrines e, cada vez mais, nas cadeias de valor.