Em busca de uma sociedade consciente

Bactérias comuns da boca entram no radar como fator de risco para infarto, mostram pesquisadores finlandeses

Achado reforça que infecções silenciosas podem contribuir para a ruptura de placas nas artérias coronárias; especialistas pedem cautela e mais estudos

Um novo estudo com amostras humanas reacendeu um velho debate da cardiologia: além de colesterol alto, hipertensão e tabagismo, microrganismos que vivem na nossa boca podem ter papel ativo em alguns ataques cardíacos. A pesquisa, conduzida pela Universidade de Tampere (Finlândia) e publicada em 6 de agosto no Journal of the American Heart Association (AHA), identificou material genético e estruturas de bactérias orais dentro de placas ateroscleróticas retiradas de artérias coronárias.

Os autores analisaram placas coronárias de 121 vítimas de morte súbita e amostras de endarterectomia de 96 pacientes operados por obstrução arterial. Utilizando PCR quantitativa, imunohistoquímica e análise de expressão gênica, o time buscou entender não só a presença de bactérias, mas como elas se organizavam no interior das placas.

Foto de Bakytzhan Baurzhanov no Pexels: https://www.pexels.com/pt-br/foto/leve-luz-light-homem-9951402/

O resultado chamou atenção: DNA de estreptococos do grupo viridans — bactérias comuns da cavidade oral — foi o achado mais frequente, presente em 42,1% das placas de quem morreu subitamente e em 42,9% das amostras cirúrgicas. A imunopositividade para essas bactérias se associou a aterosclerose mais grave e a óbitos por doença coronariana e por infarto agudo do miocárdio.

Mais do que “simples presença”, os pesquisadores observaram biofilmes bacterianos aderidos ao núcleo da placa — uma arquitetura que dificulta a ação do sistema imune. Quando fragmentos desses biofilmes alcançam a capa fibrosa e são reconhecidos pelos receptores de padrão, podem deflagrar inflamação local, enfraquecer a estrutura e favorecer a ruptura — gatilho clássico de infarto.

A hipótese infecciosa para eventos coronarianos não nasce agora, mas o trabalho finlandês adiciona evidência direta dentro do tecido humano, com imagem e caracterização molecular. Em paralelo, linhas de pesquisa recentes vêm associando patógenos orais — como Porphyromonas gingivalis — à progressão de doença cardiovascular, arritmias e instabilidade de placas.

Os autores e especialistas ressaltam, contudo, que o achado não substitui os fatores de risco clássicos; ele amplia o quadro. A mensagem prática, por ora, é de prudência: tratar pressão, glicemia e colesterol continua crucial, enquanto a saúde bucal — higiene diária e acompanhamento odontológico — desponta como peça potencialmente mais relevante do que se supunha para o coração.

Para políticas públicas, o estudo sugere integrar de forma mais orgânica a odontologia à atenção primária cardiovascular, sobretudo em territórios onde o acesso a escovação orientada, fluoretação e consultas preventivas ainda é desigual. Se parte dos infartos tiver, de fato, um componente infeccioso, prevenção e rastreio podem começar no consultório do dentista — alívio que custa menos do que uma UTI.

É ciência em construção. A detecção de DNA e de biofilmes em placas não prova causalidade universal para todos os infartos; faltam estudos prospectivos e intervenções que mostrem queda de eventos ao controlar infecções orais. A própria publicação e os relatos jornalísticos sublinham a necessidade de replicação em coortes maiores e diversas.

Enquanto novos dados chegam, a síntese é clara: saúde bucal e cardiovascular caminham juntas. No cotidiano, reduzir o risco cardiovascular segue dependendo de controle de fatores tradicionais, abandono do cigarro, atividade física, alimentação adequada — e, talvez com mais ênfase a partir de agora, de uma boca saudável.

Compartilhe nas redes sociais

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetur adipiscing elit, sed do eiusmod tempor incididunt ut labore et dolore