Reverso nas urnas expõe insatisfação popular e fragilidade da articulação política do presidente argentino, a poucas semanas das eleições legislativas
A recente derrota da coligação governista A Liberdade Avança na Província de Buenos Aires caiu como um sinal de advertência para o presidente Javier Milei. Em uma região responsável por aproximadamente 40% do eleitorado argentino, o resultado amplia as preocupações do governo às vésperas das eleições para o Congresso Nacional, previstas para outubro e novembro.
O revés foi expressivo: os candidatos ligados ao governador Axel Kicillof, em ascensão como principal figura da oposição, venceram em 99 dos 135 municípios da província, com uma margem superior a 13 pontos percentuais. O resultado evidenciou o enfraquecimento da base de apoio do governo, sobretudo nas áreas interioranas, onde a máquina peronista se mostrou mais eficiente em mobilizar votos.
Bandeira da Argentina – Poder360
A postura adotada por Milei após a divulgação dos números destoou de líderes populistas contemporâneos. Em pronunciamento, ele reconheceu publicamente o insucesso e demonstrou disposição para ouvir os sinais das urnas. Essa atitude marca contraste com figuras internacionais alinhadas à mesma vertente ideológica, que muitas vezes reagem negando os resultados desfavoráveis.
Entretanto, o cenário político é de tensão. Prefeitos e governadores reclamam da falta de diálogo com o Palácio da Casa Rosada. Historicamente, presidentes argentinos — mesmo em contextos polarizados — buscaram pactos com lideranças regionais, dada a dependência orçamentária das províncias em relação ao governo federal. Sem essa articulação, torna-se ainda mais difícil garantir apoio legislativo.
A situação de Milei no Parlamento já é instável. Com uma maioria frágil e pouco consolidada, o governo deposita esperanças nas eleições legislativas para ampliar sua capacidade de governabilidade. No entanto, denúncias recentes envolvendo a irmã do presidente, Karina Milei, hoje secretária-geral da Presidência, podem comprometer essa meta. A investigação do Ministério Público aponta que ela teria se beneficiado indevidamente de 8% dos recursos destinados à compra de medicamentos para pessoas com deficiência.
A acusação fere em cheio a imagem que Milei tentou construir durante a campanha, centrada na promessa de romper com os esquemas corruptos atribuídos ao peronismo. Resta saber se o eleitorado argentino continuará tolerando sacrifícios econômicos sem respostas eficazes e sem sinais concretos de mudança ética no núcleo do poder.
Apesar de avanços no controle inflacionário e certa estabilização macroeconômica, o custo de vida permanece alto. A população, já penalizada por décadas de políticas insustentáveis e inflação galopante, parece agora exigir não apenas paciência, mas também perspectiva de melhoria real. O voto em Buenos Aires pode ter sido o primeiro passo de um reposicionamento nacional mais amplo.
Fontes:
Capa: Presidente argentino, Javier Milei07/02/2024REUTERS/Ammar Awad • REUTERS